terça-feira, setembro 14, 2004

Do que já foi dito (aquilo que mais olhos puderam ver)

A chuva caía, constante, para tornar ainda mais triste o semblante da mulher na janela.
Não era uma mulher, afinal. Tinha corpo de mulher, responsabilidades de mulher, problemas de mulher. Para um alguém mais descuidado até os olhos poderiam trazer a impressão estampada de uma idade avançada, forçada...... mas, no fundo deles, um fiapo de infância-adolescência tentando não morrer.
Encostada no vitrô, vestido típico de uma época que não era a dela. Bolinhas pretas, bolinhas brancas..... um cigarro nas mãos e a cabeça longe, talvez vagando pelo que poderia ter sido e por tudo aquilo que não deveria ser.
Ao fundo uma musiquinha melancólica, que os pais devem ter cansado de dançar com o rosto colado. O globo luminoso pendia do teto, as luzinhas coloridas movendo-se e passeando por seu rosto e pelas paredes decoradas com os corações, as claves de Sol e os discos do Roberto Carlos.

Impossível dizer quanto tempo se passou. Aquela poderia perfeitamente ser uma cena de um filme, sobre qualquer coisa que dissesse respeito a qualquer um. E ninguém teve coragem de interferir. Parados a poucos passos, outros olhavam com um misto de fascinação e compaixão. Ninguém se atreveu a elevar a voz, a erguer a mão, a tirá-la do seu universo particular.
A vida real parou por instantes, mas só para os que não tinham no peito a angústia que a mulher na janela não conseguiu esconder.

Um comentário:

Anônimo disse...

guilherme

Nossa, nossa! Eu perdi esse momento de contemplação... Mas me orgulho por ter, em outro momento, compartilhado com ela a janela, o cigarro e entrado um pouquinho no seu mundo particular - só para chorar quietinho por dentro.