quinta-feira, março 01, 2007

meu guri

escovava os dentes com preguiça, pronta pra capotar na cama depois de mais de 3 horas examinando fotos antigas (na impossível tarefa de definir quais as poucas 14 que ficariam penduradas na cabeceira da cama... a vida não fica restrita a poucos buracos na parece, como dá pra imaginar), quando o telefone tocou. ouvi o "hum, sei, mas... ele não te ligou até agora? que horas vocês combinaram?" e parei com a esfregação, pra entender melhor o diálogo, ao mesmo tempo em que uma mamãe de pijamas corria escadas abaixo pra enteder o que se passava.

a minha primeira reação foi a mesma que eles tiveram: outra vez esse garoto não atende nenhum dos DOIS celulares, não avisa aonde tá, não dá notícias.... pqp!
a segunda, depois de perguntar ao irmão-gêmeo-moreno e real motivo do auê foi juntar aos mãos, olhar pro teto verde-chá do meu quarto procurando por Deus e fazer o pedido "que ele não esteja machucado, por favor".

eram pouco mais de 23h45 e a namorada ligava perguntando se ele tinha mandado notícias. ele sairia da faculdade às 22h40 e tinha combinado de encontrá-la por volta das 23h, pra comemorarem aniversário de namoro. a distância entre eles era de 4 minutos dentro de um carro, uns 30 a pé, no máximo dos máximos. e nada do garoto.

respirei fundo, refiz o pedido, ouvi o barulho das chaves e desci as escadas. encontrei pais prontos pra sair atrás do irmão-do-meio, bufando por imaginarem que aquele poderia ser só mais um ato de irresponsabilidade. peguei o telefone, que tocou como resposta. atendi, ligação à cobrar, repassei o aparelho e "oi filho, cadê você? hã? hã? mas aonde você tá, caralho? te ASSALTARAM? você tá machucado? aonde você tá agora? fica aí, tô indo te buscar".

esperei aliviada pela volta. já sabia o que tinha acontecido, antes do telefone tocar, e só pedia pra que ele estivesse bem. e estava. olhos vermelhos, lágrimas secas, corpo cansado. beijo, abraço, cafuné, ligação pra namorada pra avisar que estava em casa, ligação pra operadora pra bloquear o celular, beijo, colo, conversa rasa, banho, chá de camomila, bolo e lágrimas que corriam sem fazer barulho, uma atrás da outra. vi meu menino-do-meio se despedir com abraços apertados e com a repetição "eu amo muito você" aos dois sentinelas que apenas o olhavam compadecidos e impotentes.

deitei na cama sem o sono. a tortura psicológica não fica devendo nada às lesões corporais. duas horas depois de andanças pela cidade, frases agradáveis como "se quiser ver sua família outra vez contiua olhando pro chão", R$700,00 a menos na conta e a sorte de estar vivo, a noite de ontem, pro meu menino, ia ter gosto de humilhação, de revolta, de medo e de alívio. e eu, no quarto ao lado, não podia fazer nada, além de agradecer aos céus pelo pedido aceito.

não faz um mês, eu andava pelo centro de uma metrópole, às 02h, bêbada e saltitante. e não tinha medo. ele, que espera da vida tanto quanto eu, não pôde fazer o mesmo. talvez por ingenuidade ou excesso de confiança, ele não contava com o medo, nem com a violência. e, com injustiça, ele não teve a mesma chance que eu de sair por aí, não conseguiu, às 22h40, encontrar a pé a namorada, 1km distante, na cidade dele, no país dele. no nosso. em que todo dia é dia de viver angustiado, sem saber a hora ou o lugar em que a vida fica suspensa, fica valendo duas garrafas de wisky e uma de vodca.

foi só um susto, mas podia não ter sido, como não é, pra tanta gente, todo dia...
fui dormir sem a raiva. pensei na desigualdade social, na violência declarada, em quem tem culpa... alguém me responde o que se faz com a angústia de não conseguir enxergar que amanhã vai ser menos apavorante pra cada um de nós?

ontem foi o dia do meu guri. e hoje? quantos guris serão?

9 comentários:

Pammy Motta disse...

Querida que medo. ele está bem
tadinho.



" E nós não vamos fazer nada ".




bjks

thais disse...

Juuuu!!! Que sustooo!!
Ai, que medo......
Ainda bem que ele está bem...

beijos pensativos

Prisokinha disse...

falei com ele!!!

estou mto chateada... Sta impotencia ter que agradecer por nao ter acontecido nada de pior... enfim, to aliviada por ele estar bem, claro!!!

1beijo!

Ken disse...

Bem, o que posso dizer. Acho que acabamos nos acostumando a viver com medo e "escondidos". Outro dia mesmo eu estava comentando com a Pam que eu sempre duvido das intenções de pessoas estranhas. Talvez seja uma síndrome de metrópole-do-terceiro-mundo.

Não quero este mundo para o meu filho.

Thá disse...

Ju, querida, posso imaginar o que seu guri sentiu. Já tive essa infeliz experiência três vezes.

Nos sentimos muito impotente, de mãos atadas, e etc...


Mas mande beijos para o seu querido porque com o carinho é a única coisa com que podemos contar...

Anônimo disse...

Moramos em um país sem dignidade, Ju. Infelizmente.

Que bom, que bom, graças a Deus que agora está tudo bem. Confesso que fiquei angustiado lendo esse post. Li e rezei ao mesmo tempo.

Espero que eu não seja - que nós não sejamos - os guris de amanhã.

País vagabundo.

Diogo Carvalho disse...

PQP...

Manda um abraçao pra ele...


Beijos...

Anônimo disse...

Isso aqui é o fim do mundo. Ainda bem que, apesar dos pesares, a história angustiante teve final feliz. Mas são tantas que nunca acabam...

Anônimo disse...

Só um adendo: por que seu irmão tem dois celulares?