no dia cinza

não eram 08h. abri o jornal em busca da nota publicada e dei de cara com uma foto em preto e branco. o desespero estampado era tão intenso, tão real que me fez esquecer das obrigações corporativas. fiquei olhando para aquele pai, segurando um sapatinho menor que minha palma da mão, aos prantos, inconsolável. senti os olhos encherem d´água quando, na tentativa de me desviar do choque, vi no jornal ao lado uma seqüência colorida das mesmas imagens... o pai chegando ao local do atropelamento e encontrando seus pequenos já sem os sorrisos.

quis sair correndo da sala e me trancar no banheiro pra poder chorar o sofrimento daquele homem que eu não conheço. não podia. passei os muitos minutos seguintes pensando na injustiça tamanha dessa roda-vida. na necessidade daquelas fotos ali, nos jornais, traduzindo de uma maneira crua o pior dos pesadelos para aquele homem. ali, escancarado, com a precisão cirúrgica de um fotógrafo que cumpria o seu papel, afinal.

pensei nas pessoinhas que fazem do meu universo um lugar menos sombrio, menos duro, menos adulto demais. pensei nos pequenos que ainda estão a caminho, na minha incapacidade de entender o que aquele homem sentia realmente e no desejo de que meus queridos jamais tenham qualquer idéia do que possa ser aquilo.

quis que o dia acabasse ali, que me contassem alguma coisa boa, quis me distrair com outros assuntos, com as urgências (tantas, tantas), quis poder ver o céu azul. mas, ainda chove, uma chuvinha melancólica na cidade que ficou cinza. no dia que ficou pesado demais.