além das rasas explicações

ainda cedo, dedos apressados massacrando as teclinhas, eis que o nome dela estala em pensamento. continuo a sinfonia desafinada do barulho do tec-tec e outro insight. ainda na tentativa de me concentrar na redação da resposta ao e-mail-porrada, ela latejando na memória. quando senti o gosto da massa que comíamos todas as quintas-feiras, resolvi que era hora de ligar.

era pra ser uma ligação-relâmpago, só pra dizer que estava com saudades, que não conseguia trabalhar porque ela estava aqui me fazendo graça e companhia. curioso, desde que passamos a não mais dividir o todo-dia, nos falamos pouquíssimas vezes por telefone. a mair parte das notícias chegam escritas, mas escrever não era o que precisava ontem. eu tinha urgência.

"alô?" uma voz tristíssima do outro lado não combinava com a minha empolgação. dei oi, disse que estava com saudades, perguntei o que se passava. "você viu o meu e-mail?" com a minha negativa, o espanto "não viu mesmo? jura?", sim, eu jurava. "te escrevi ontem à noite. minha avó morreu". o choro cortou as palavras e a ligação.

não, eu não tinha visto o e-mail. não, eu não sabia de nada. não, eu quase nunca falo com ela mas, a quilômetros, meses e situações de distância, ela veio até mim, sem que fosse preciso uma mísera palavra.

não é a primeira vez que isso acontece, e eu não sei dizer porque meu sexto sentido é afiado assim... mas, me conforta essa certeza de que a vida é feita de muito mais do que aquilo que cabe em um cotidiano maquinal, ou em rasas explicações.