segunda-feira, outubro 18, 2004
a difícil arte de se fechar essa porta
"Quem é homem de bem não trai
O amor que lhe quer seu bem
Quem diz muito que vai, não vai
Assim como não vai, não vem
Quem de dentro de si não sai
Vai morrer sem amar ninguém
O dinheiro de quem não dá
É o trabalho de quem não tem
Capoeira que é bom não cai
Mas se um dia ele cai, cai bem...."
Berimbau - Vinicius de Moraes
Estou aprendendo devagar o quanto é difícil a arte de se fechar essa porta. Não sei se posso dizer que é ruim, só sei que agora me parece penoso e digno de tristeza.
Imagino que não deva ser assim, que a ordem suave da fila indiana traria isso com cheiro de jasmim, e não como queimadura de terceiro grau. Talvez porque não seja a hora certa, talvez porque tenha passado o tempo.... ainda não sei, e essa dúvida me machuca.
Com a mão na maçaneta, a cada dia que passa exerço o movimento de trazer a tábua lisa para mais perto de mim, e a cada milímetro que ela vem em minha direção mais as coisas dentro dela se assemelham a lembranças que não querem ser simples lembranças.
Embora o mundo me encoraje a trancá-la o mais cedo que eu puder, o meu íntimo se desmancha em súplicas contrárias. Aquele mesmo sexto sentido que tanto me serviu de alerta (e que eu preferi ignorar, eu TIVE que ignorar) me pede para não bater a porta com firmeza, para não passar a chave porque ainda não está na hora.
A intuição me prende as mãos porque me diz o que eu sei, que o dia em que ela se fechar, ainda que a chave seja guardada ou que encontrem um bom chaveiro capaz de arrombar a fechadura, eu não vou mais ser capaz de adentrar por aquele espaço. Ou, se fizer isso, será apenas como um 'pássaro entrando no museu de memórias’.
E, no fundo do mais profundo que consegui alcançar, essa visão me pareceu tristonha, quase desnecessária. Quase como um conto, de como jogar pela janela o vaso de louça chinesa, que com tanto cuidado tinha sido concebido, porque o colecionador se sentia medíocre demais para manter uma coisa daquelas, que demandava tanto cuidado. Com medo de quebrá-lo num esbarrão involuntário, e sem coragem de simplesmente mudar sua rota para não colidir com ele toda vez que entrava no aposento, havia achado melhor atirá-lo para longe de uma vez, com a plena consciência de que só sobrariam os cacos. E chorava de tristeza por sua decisão, mas não enxergava outra no mundo que pudesse ser melhor, pudesse fazê-lo sentir-se menos incapaz....
As escolhas tem de ser feitas. E eu sei que todos vão me dizer que eu não posso fazer as minhas pelas linhas da vida de outro alguém. E que eu não tenho o direito de julgar achando que conheço o que seria o certo, ou quem sabe o melhor. Que o conto é só mais um conto de uma mente cheia, de um coração ainda machucado. Eu sei disso, e sei que as chances de que tudo isso seja o melhor possível, seja simplesmente a coisa mais necessária do universo, são grandes.... Mas, sou obrigada a dizer que preferia ver o vaso quebrado por uma vontade sem dor. E não é o que eu vejo. Preferia ver o colecionador aliviado e feliz com suas peças novas, e não vazio.
Então confesso agora que sinto a música, que digo que vou sem ir, e como não vou, não venho, não volto. E, ao mesmo tempo, sei que não me cabe mais permanecer onde estou... e é por saber disso que vou trazendo a porta para mim.
E não sei mesmo o que vai acontecer quando ela se fechar. Aprendi a não dizer ‘pra sempre não’. E que jamais fui responsável pela felicidade dele. Não tenho esse poder.... Às vezes me julgo muito mais do que a verdade.
Tomara muito que agora meu sexto sentido esteja redondamente enganado, ou que a mente esteja só pregando pecinhas tolas.
Tenho que ir, porque depois..... o depois eu não sei mais. e estou começando a não ter medo de não saber.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário