segunda-feira, março 28, 2005

menina dos cabelos amarelos


Quero ser umbiguista.
Quero falar da menina dos cabelos amarelos.
Quero fingir que ninguém vai ler isso aqui, pra criar a ilusão confortável de que posso deixar os dedos correrem soltos pelo teclado, sem pressa, sem angústia, sem sentir que fazer isso é fazer demais, é falar demais, é dar aos que não tem tanta sensibilidade a mesma dimensão que alguns poucos conseguem ter quando olham fundo para os olhos cinza-verde-azulados.
Nada de meias palavras, de modéstia, de comedimento. Hoje eu não quero nada disso. Quero só falar um pouco da menina dos cabelos amarelos. Tanta gente fez isso. Agora é minha vez.

Ando preocupada com ela..... muito mais agora do que há menos de um mês....Não tive tempo para dizer pra ela que eu sinto muito por tudo que se passou. Não consegui fazer isso de uma maneira sincera. Acho até que fui cruel..... Eu a fiz engolir o choro, fiz segurar as dores, fiz endurecer os sentidos. Tive medo de que ela sentisse dó de si mesma..... eu quase me esqueci de que ela é real, que ela também quebra e que na verdade precisava de qualquer coisa de coragem sim, mas não de crueldade.
Estou vendo isso agora. Ela anda cansada. Está fisicamente muito melhor, nem de longe lembra aquela sobrevivente de um ataque nuclear, mas..... os olhos envelheceram muito mais do que o resto do corpo. Acho que ela anda longe, longe..... não sei bem ao certo, mas algumas coisas eu não reconheço mais. Outro dia a encontrei chorando.... sem querer tinha vindo às mãos um caderno antigo e ainda perfumado. Resquícios de uma festa do Hawaí. Recordação do 15º aniversário. Encontrei-a com o tal caderno nas mãos, lágrimas que teimavam em não mais ficar nas pálpebras.... Sem dizer uma única palavra, ela me explicou tudo: chorava de saudades daquela menina dos cabelos amarelos. De repente teve a mais absoluta certeza de que ela não vivia mais.... era só um sopro de lembrança, com toda a felicidade quase infantil de dias agora muito distantes.

Ando preocupada com essa menina que não é mais menina.... e ando preocupada porque sei que ela não vai me contar mais nada, agora que eu fiz questão de contar pra outros o que ela confiou só a mim. Mas, fiz isso para o bem dela, assim como a crueldade dos dias de hospital.
Porque eu sei que ela vai ficar bem.... eu tenho certeza disso. Só queria que ela tivesse o próprio tempo para se fazer bem, para se fazer inteira outra vez, colar os retalhos de vidro quebrado no mosaico que ainda é dela. Ele vai ficar mais bonito sim, eu tenho certeza disso. Mas agora acho que a única coisa que ela não tem são as certezas que achou que eram reais. E é normal. E vai ser assim. E eu só queria que ela soubesse que ela pode fazer com que seja assim. Na verdade eu só queria mesmo que ela acreditasse nisso.
Vou tentar outra vez. Quem sabe ela não me escuta? Hoje a noite tem conversa com a menina de cabelos amarelos.... aquela, a de agora, a que eu vejo no espelho.

Nenhum comentário: