sexta-feira, março 28, 2008

delicadeza com gosto de canela

custei a acreditar que o rádio-relógio não mentia. eram 06h cravadas e eu com a preguiça de quem ainda não havia deitado. a luz que invadiu a frestinha na cortina, estrategicamente aberta na noite anterior, me fez lembrar que o chuveiro era uma delícia, que naquela manhã eu poderia tomar café e que tudo seria mais fácil. bingo.

metade da manhã, eu usava de todos os métodos conhecidos pra não pregar os olhos durante a aula médica. de repente, um cutucão no ombro, um sorriso enorme e uma sacolinha com um embrulho. “o que é isso, doutora??” “é o seu sorvete de canela”. era, na verdade, mais que isso.

pausa pra explicação: na noite de quarta-feira, antes do jantar formal terminar, eu já estava me sentindo à vontade com aquela mulher miúda e abarrotada de princípios sentada ao meu lado. quando o crepe de maçã chegou e ela comentou que a canela fazia falta na composição do prato, concordei dizendo como adoro o condimento. ela, então, disse que em Brasília havia um sorvete maravilhoso de canela. quis saber onde conseguiria encontrá-lo, mas ao final da pergunta emendei um suspiro e a afirmativa de que dificilmente teria tempo pra procurar o doce. devo ter feito uma cara de coitada porque ela me olhou com carinho e prometeu que iria tentar trazer pra mim. agradeci, sabendo se tratar de um comentário feito por educação.

sentada na cadeirinha do auditório com a sacola plástica na mão, eu estava em choque com a gentileza. ela me viu durante duas horas, uma vez na vida, por acaso e sem querer. não sabia se eu estaria naquela sala àquela hora, já que havíamos nos despedimos na quarta à noite sem a troca de cartões ou explicações de qual seria o meu paradeiro nos dias seguintes. mesmo assim, ela e o marido – que eu não conheci – foram procurar o sorvete, compraram e guardaram no freezer da casa deles, só pra alegrar a minha manhã.

saí da sala, abri a sacola e outra supresa. além do isopor, um papel de presente embrulhava o livrinho religioso. tive vontade de chorar com o gesto, pensando em tanto carinho, na delicadeza gratuita de alguém que não me conhecia mas que havia se preocupado comigo, sem motivos nem interesses pra tanto.

fui agradecer o presente e, ao final do abraço, ela me pediu “dê um beijo na sua avózinha por mim” (eu havia comentado a história da minha avó, que tem doença renal crônica, a especialidade de todos os doutores que encontrei naqueles dias). prometi que daria, disfarçando o choro e com o gosto do melhor sorvete que eu já tomei na vida.


(a saga brasiliense será encerrada no próximo post, ok? prometo, prometo, promeeeto!)

9 comentários:

Thá disse...

Deu até para sentir o gostinho do sorvete de canela...

=)

thais disse...

aiii, que lindo......
mas é vc, né? me diz quem não revira o mundo por vc?

beijo!

Anônimo disse...

Que lindo!

Com certeza era uma mulher em forma de anjo que trouxe um recado dos céus pra você.

Anônimo disse...

Ah, por mim você podia continuar contando mais da saga brasiliense por muito tempo... Está uma delícia!

Pammy Motta disse...

Sabe que a Thá tem toda a razão...
no domingo seria aniversário da minha ..... gostaria de encontrar pessoas assim todos os dias.

Rachel disse...

ahhh leio seus posts com os olhos correndo e um brilho ansioso para ver o final .. parece um bom livro que enchem os olhos de emoção. escreve bem pra porrrra ! q orgulho!

bjao

ps: meu blog, é pra vc

Larissa Saram disse...

E você ainda estava com medo de ir pra lá...Ai Juju, brotoejas gratuitas né!?

luamorzinha disse...

e o resto? cadê???

Anônimo disse...

Não vai terminar de contar suas histórias?...tô sentindo muita falta.