quarta-feira, dezembro 22, 2004

magnólia


Quarta-feira, metade do mês de dezembro. Pouco depois das 07h30 as nuvens cinzentas, que davam ao céu da cidade de São Paulo um aspecto melancólico e apático, tornaram-se mais pesadas. Na estação Clínicas do metrô pessoas apressadas circulavam de um lado para outro no meio do túnel que liga a Av. Dr. Arnaldo ao complexo do Hospital das Clínicas.

Assim como nós duas, muitos outros atravessaram o corredor com passos apertados, ganharam a rua e seguiram para o prédio amarelo.
Um formigueiro. Rampas ao centro, placas indicando as especialidades de cada andar.
Jamais tinha visto qualquer coisa parecida.
Enquanto percorria o caminho da burocracia, perdida entre o atendimento do plano de saúde e o do SUS, fui visitar as duas realidades. No topo do 10º andar os que podem pagar por um convênio médio desfrutam o luxo: sala ampla com grandes janelas, cadeiras acolchoadas, televisão para entreter e nada, nada de filas. Sobram lugares na espera.
Seis andares abaixo, a história é completamente diferente. Espremidos em um corredor estreito, centenas de pacientes aguardam no calor e sem conforto a hora de ouvir os residentes e médicos formados chamarem por seus nomes. Nos rostos expressões caladas de sofrimento e paciência. Ninguém mantinha a ilusão de que a espera fosse curta. Estamos falando das filas do HC.

Sentada ao lado da minha mãe, uma senhora me observava. Dona Magnólia, filha de árabes, com seus grandes olhos violetas, que visita a ala de geriatria do HC a cada 15 dias. Estava acompanhada do filho, “engenheiro formado, que tinha pressa porque tinha que trabalhar e entregar a obra agora antes do Natal”.
Dona Magnólia contava que não gostava de ir ao shopping e andar naquele “carrinho com buzina”. Era ruim, porque o filho a deixava lá sozinha e demorava pra voltar. Ia paquerar as moças. Também achava que eu deveria tomar um pouco de sol “faz o bronzeador com cenoura e óleo Johnsonn de bebê, é natural, a pele fica bonita. Você ta muito branquinha”.
Acenei um sim com a cabeça e ela sorriu. “Você lembra a moça, era loira. Mas ela não comia pizza não, ela se cuidava, tomava só iogurte. Era bonita. Ia fazer um trabalho para a Souza Cruz, aquela empresa de cigarros. E o Sílvio Santos uma vez mandou o carro ir buscar ela lá no bar. Ela era pediatra formada, mas o motoqueiro pegou ela no meio da rua. Tão bonita....”
“Era sua filha, Dona Magnólia?” “Ô se era... ah, eu quase morri”.
Depois pareceu voltar do passado e sorriu outra vez. Me ensinou a salada de folhas verdes e mostarda, e se levantou com pressa, largando os exames. Foi lá dentro ver o que se passava. Impaciente, o filho recolheu a papelada e foi atrás dela. Não a vi mais. Dona Magnólia sumiu no meio do mar de gente que fazia o lugar ter cheiro de tristeza, mas deixou a impressão de que, aquilo que chamo de problemas, não são praticamente nada.


Um comentário:

thais disse...

Ju!!! Eu sou uma das pessoas que não entende muito do que exatamente vc escreve. Mas eu entendo como vc se sente, querida!! Pq não, um diário virtual? Vivências, pensamentos, sentimentos... Tudo junto e misturado, como vem sendo! Uma delícia, seu blog!!!